quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Opinião: Talento vs. Objectividade - Reverso da Medalha


Ontem, dei alguns exemplos de jogadores que apesar da sua genialidade e criatividade técnica, não conseguiram, ainda, apurar o seu estilo de jogo de forma a terem objectividade para acrescentar à equipa. Para uns, o talento que têm nos pés não chegou para terem invariavelmente passado ao lado de uma grande carreira, para outros o futuro ainda lhes reserva a esperança de ver a sua fantasia triunfar.

Hoje, irei abordar esta temática pelo outro lado. Observando os jogadores que apareceram como grandes fantasistas e apaixonados pelo drible e pelo lado - se é que o há - perfeito do futebol, e que conseguiram adquirir os ensinamentos necessários para moldar o seu jogo ao que é exigido a alto nível. Por o terem feito ainda enquanto jovens, ganharam o seu espaço no topo do futebol mundial de todos os tempos.



Cristiano Ronaldo é um desses maiores exemplos. Apareceu no Sporting como um jogador apaixonado pelo drible, que sempre que pegava na bola procurava ir para cima do adversário e deixá-lo pelo caminho. Perdia algumas vezes a bola, é certo, mas também vencia muitas vezes esses duelos.

A sua transferência para Manchester foi o que deu o click que faltava no seu futebol. Alex Ferguson tinha em mãos um diamante bruto, para ser lapidado e, Ronaldo, pela vontade de aprender e de procurar sempre mais, alterou muito do seu estilo de jogo em prol do colectivo, o que o fez crescer imenso como jogador. Já dizia um treinador que conheci que "Um jogador só consegue atingir os seus objectivos pessoais se a equipa em que está inserido atingi-los no campo colectivo".

E defacto, assim foi. Cristiano deixou de ser um malabarista nato, um fantasista, para passar a ser, num espaço de 2 ou 3 anos, um jogador "programado". Mais rápido, mais forte fisicamente, mais inteligente, mais conhecedor dos espaços mas, acima de tudo, muito mais objectivo. Hoje em dia olhamos para o Cristiano e já não vemos um drible com tanta frequência. Vemos um jogador mais astuto na procura dos espaços para desequilibrar e na tentativa de procurar com os colegas encontrar os caminhos da baliza.

A adaptação que teve de fazer do seu futebol foi essencial para se ter tornado no melhor jogador do Mundo. No Sporting, outro jogador que apareceu um pouco antes do Cristiano e que também melhorou muito nesse aspecto foi o Quaresma. Apareceu como um dos maiores fantasistas de sempre formados em Portugal, e alterou o seu estilo de jogo.

Antes procurava a linha e lá driblava, até mais não. Hoje é um jogador que moldou o seu espaço de jogo numa óptica de colectivo. Procura o drible para dar frutos. Tenta as trivelas e os lances de magia para criar lances de perigo para as balizas adversárias. Não atingiu nem irá atingir o nível do Cristiano... mas isso são outras praias.


Robinho nasceu com o talento nato do fantasista e predestinado jogador brasileiro. Apareceu no Santos a fazer bicicletas e brilham no youtube os vídeos dos seus malabarismos. Mas Robinho deu a dimensão seguinte ao seu futebol. Deixou de ser um jogador individual e passou a sê-lo para o colectivo.

Hoje em dia, os espaços no futebol estão muito reduzidos, os desequilibradores têm cada vez maior dificuldade e as linhas de pressing e cobertura estão cada vez mais exigentes sob o ponto de vista de anular o tempo de pensar e executar e o espaço no futebol. É por isso que os jogadores fantasistas têm de ter lugar para desamarrar esses factores. Se integrados numa cultura de jogo colectivo, com as dinâmicas de um colectivo que tem de jogar sempre em bloco, e não dividido por blocos, irão fazer a diferença.

Pegando num último exemplo, no Futsal, Falcão, o melhor jogador do Mundo, chegou a afirmar que quando era mais novo, só queria dribles e "sacanear" os adversários. Não fazia golos. Aprendeu a usar a sua habilidade em prol da equipa, num sentido de objectivo muito direccionado para a baliza contrária. Continua a "sacanear", mas da melhor forma: vai terminar invariavelmente em lance perigoso ou mesmo em golo. E nada vale mais do que isso.

No tempo que vejo futebol, só conheci um jogador que nunca diferenciou o seu estilo de jogo. Sempre conseguiu triunfar no futebol de alto rendimento da mesma forma: fantasista, driblador, irrequieto, desamarrado das exigências tácticas dos dias de hoje. Sempre teve a sua objectividade q.b., porque se não a tivesse não era nem 1/10 do que foi, mas sempre que tinha oportunidade, metia um drible mais vistoso, procurava um lance mais bonito. Teve, sempre, consciência de fazer tudo isso em prol do grupo. Para mim, foi e é um dos melhores de sempre. Chama-se Ronaldinho Gaúcho.


Sem comentários:

Enviar um comentário