quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Opinião: Talento vs. Objectividade


Hoje, na faculdade, um professor meu disse: "O futebol não é de quem brilha, é de quem ganha". Foi o tópico ideal para escrever sobre esta temática que tantas vezes se confunde e discute no Mundo do Futebol mas que faz toda a diferença.

Têm ficado pelo caminho, ao longo dos anos, muitos jogadores virtuosos, com excelentes capacidades no um para um, mas que não conseguem dar a dimensão seguinte ao seu futebol, fruto de baixos índices de objectividade e produtividade em prol do colectivo. Hoje em dia diz-se que não há espaço no jogo, e realmente isso acontece. As equipas, os treinadores, os jogadores, compreendem hoje muito melhor o jogo, existe uma preparação e uma metodologia cada vez mais preparada para se dar um equilíbrio no espaço de jogo, que tem de ser "desmontado" pelos tais virtuosos, talentosos jogadores capazes de aparecer entre linhas, fazer um drible e ficar na cara do guarda-redes, fazer um passe a isolar um companheiro... os que resolvem jogos.

Mas, existe também os que fazem tudo isso, só que pela irregularidade com que o fazem e a pouca cultura de jogo e pouca dimensão que acrescentam ao seu futebol ao nível das decisões que tomam, acabam por nunca atingir o ponto qualitativo que se esperaria deles. E é sobre alguns desses casos que vou falar a seguir.

Di María (SL Benfica) - O argentino que todos bem conhecem, constitui hoje na minha opinião um dos casos mais flagrantes de contraste existente entre o talento e a objectividade de um jogador de futebol. É um jogador muito veloz, com uma capacidade de aceleração como se vê pouco nos dias de hoje.

Bom no drible e na capacidade de penetração, é um jogador que aos 21 anos pouco ou nada evoluiu sob o ponto de vista táctico e de cultura do jogo para poder dar o salto que o seu talento exigia. Na maioria das vezes decide mal, tem dificuldade em perceber os ritmos de um encontro, é pouco voluntarioso defensivamente e revela um íncide baixíssimo de qualidade no remate.

Di María tem no Benfica 100 jogos oficiais e... 6 golos apontados. Saíram da Luz sem convencer, sem deixar saudades à maioria dos adeptos, mas os números falam por eles (em idênticas situações competitivas e posicionais com o argentino, e em comparação com este): José António Reyes - 35 jogos, 6 golos -, Laurent Robert - 15 jogos, 3 golos - e Freddy Adu - 19 jogos, 5 golos.

Não é a principal função de um extremo fazer golos, correcto. Mas nem aí Di Maria impressiona. O número de assistências que realiza para os seus colegas só este ano são relevantes no Benfica, mas as más decisões do argentino com bola, os lances que não ganha aos seus adversários, ou que não lhes dá objectividade no jogo, são inúmeros. Para juntar, esta época, os casos de pura e simples "burrice" em campo, quando chuta a bola contra o banco do Braga e gera toda uma confusão que prejudicou o Benfica no jogo e nos seguintes, e agora em Olhão, que prejudicou essencialmente o Benfica nesse jogo, e não vou dizer para os seguintes... porque não originou a expulsão de mais nenhum colega.

Celsinho (Sporting CP) - O que é feito dele? Chegou ao Sporting rotulado de craque. No Brasil os vídeos de inúmeros lances de magia no drible, facilidade de remate e qualidade na criação de espaços de finalização, faziam dele uma das grandes promessas do futebol brasileiro - foi inúmeras vezes comparado a Ronaldinho Gaucho. Nos dois anos que esteve na Rússia, no Lokomotiv, fez apenas 6 jogos. No Sporting 7... todos em competições de menor importância e onde sempre destacou o seu desfazamento da realidade do futebol actual. Pouca intensidade, muito jogador de espaços curtos e dribles rápidos, mas sem o passo seguinte... a dimensão de ocupação de espaços com bola, de objectividade nos seus movimentos e lances... ainda é jovem, tal como o exemplo de Di Maria... mas há coisas que não se aprendam, e a objectividade no futebol é uma delas.

D'Alessandro (Internacional) - Chegou a ser comparado, como tantos outros, a Diego Armando Maradona. Estreou-se em 2001, com 19 anos, na Selecção "A" Argentina. Rendeu muito aos cofres do River, na sua transferência para o actual campeão da Alemanha, Wolfsburg, devido à sua qualidade com bola, os espaços que criava no jogo, a capacidade de drible e penetração em progressão... um pé esquerdo que fazia maravilhas. Na Alemanha apareceu pouco, apenas a espaços e com rasgos aqui e ali mas sem a regularidade exigida, foi emprestado ao Portsmouth (o maior entreposto de jogadores da última década) onde fez meia época, passando dois anos no Saragoça de Espanha, onde nunca convenceu e ficou ligado à descida de divisão do clube (tal como Pablo Aimar).

Regressou à Argentina e hoje joga no Internacional do Brasil. A pouca dinâmica e intensidade que dá ao seu futebol, a também débil condição física (poder de choque e resistência) e as dificuldades que demonstrou sempre em traduzir para a equipa os seus argumentos técnicos, foram as principais razões que o fizeram passar ao lado de uma grande carreira. Ainda é jovem, mas já não vai a tempo de atingir o ponto qualitativo que obtiveram alguns dos seus companheiros na então campeã do mundo de sub-20 argentina, onde foi considerado um dos melhores da competição. Falo de Javier Saviola, Coloccini ou Maxi Rodriguez.

Leandro Romagnoli (San Lorenzo) - Outro dos colegas de D' Alessandro na selecção sub-20 argentina que brilhou em 2001. Chegou ao Sporting com muitas 'ganas', as mesmas que os adeptos tinham de o ver jogar. Dotado de inegáveis qualidades técnicas, nunca mostrou em Alvalade a objectividade que se exigia a um jogador da sua posição. Com o talento de poder decidir uma partida, Paulo Bento nunca foi grande apreciador das qualidades do argentino. A falta de ritmo que evidenciava, a pouca objectividade que metia no seu jogo, onde raramente encontrava espaços para penetrar e finalizar, a dificuldade que apresentava em decidir o rumo da organização ofensiva da equipa, tudo foram factores que o levaram a fazer passar quase como um despercebido pela história do clube. E qualidade ele tinha...


Álvaro Recoba (Panionios) - Recoba foi apresentado ao Mundo do futebol como um dos melhores pé esquerdos que a bola conheceu. Dotado de inegáveis capacidades técnicas, revelou, contudo, um cariz de jogo completamente oposto ao rumo que o seu talento apontava. Era um jogador pouco culto tácticamente, que precisava de espaço para brilhar. Quando era alvo de maior marcação ou de algo que o fizesse ter de procurar adoptar um estilo diferente ao seu jogo, nunca foi capaz de concretizar.

Procurava sempre resolver de meia distância com o seu forte pontapé, apresentava algumas limitações ao nível da objectividade que se pretendia, pois sempre valorizou dar mais um toque, meter mais um drible no lance, procurar o golo bonito, do que jogar simples e de forma objectiva. Passou ao lado de uma grande carreira, apesar de ter sido dos meus favoritos que vi jogar.

Nem de propósito. O clube grego anunciou esta noite em comunicado a rescisão amigável do contrato que ligava o Panionios a Álvaro Recoba, pelo que este poderá ter sido o fim da carreira do uruguaio de 33 anos.

E é com ele que termino o grosso do meu post.



Todos os jogadores que foquei são amplamente conhecidos pelos nossos adeptos, e todos têm em comum o facto de terem nascido na América do Sul. Coincidência. O produto sul americano é mais fantasista, foca-se mais o talento individual do que a cultura táctica e sentido de objectividade (que muitos mostraram ao longo da sua carreira pela aprendizagem europeia, como Messi, Ronaldo, Rivaldo, Romário, Ronaldinho, Verón, Crespo entre outros).

Daí ser mais comum aparecerem sul americanos com ritmos diferentes (que os seus futebóis têm), espaços de acção diferentes, intensidades diferentes, sentidos de objectividade também diferentes. Hoje em dia, um jogador menos talentoso e com menor índice de criatividade, tem, sempre, vantagem sobre o outro, caso apresente maiores capacidades de leitura de jogo, cultura táctica e objectividade.

"O futebol não é dos que brilham, é dos que ganham".

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